A construção de uma usina em Fortaleza próxima a cabos submarinos de internet pode prejudicar a conexão no Brasil. Especialistas ouvidos pelo g1 apontam que pode haver imprevistos durante as obras e mudanças no relevo oceânico que afetariam o funcionamento da rede.
O governo do Ceará anunciou o projeto da usina para transformar a água do mar em água potável e afirma que ele aumentará em 12% a oferta de água na região metropolitana Fortaleza.
Mas a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e as operadoras de internet questionam esse plano, que tem como sede a Praia do Futuro. No local, passam 17 cabos submarinos de 8 empresas, de acordo com a agência.
A construção deixará muito próximas duas estruturas importantes – a de telecomunicações e a de dessalinização da água. Por isso, entidades interessadas têm se manifestado sobre a proposta:
- A Anatel afirmou ao g1 que informou sua oposição à obra em setembro de 2022, mas que foi notificada sobre a alteração no projeto em agosto de 2023; agora, a agência analisa os ajustes apresentados para verificar se o convívio entre os dois projetos é viável;
- A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) confirma as modificações no projeto, o que inclui a mudança do ponto de captação da água para uma área a mais de 500 metros de onde passam os cabos; a empresa diz que a versão atual do plano “não apresenta nenhum risco ao funcionamento dos cabos submarinos localizados na Praia do Futuro”;
- A associação de operadoras TelComp, que inclui empresas como a cearense Brisanet, afirmou ao g1 que “a discussão sobre a construção da usina é legítima e a implementação de tal política pública é necessária”, mas alegou que “existem locais mais adequados e seguros para sua instalação” e que a escolha pela construção na Praia do Futuro é “infeliz, inoportuna e inapropriada”;
- A Conexis, associação onde estão operadoras Claro, Vivo, Tim, Oi, Algar Telecom e Sercomtel, afirma que suas associadas “manifestam preocupação com os riscos apontados pela área técnica da Anatel.
“Qualquer obra na região sem uma boa comunicação entre empresas de telecomunicações e a usina pode levar ao rompimento de um cabo. Isso vai causar instabilidade no sistema”, diz o professor de Engenharia da Computação na Universidade Federal do Ceará (UFC) Yuri Victor Lima de Melo.
Uma usina de dessalinização causa movimentações embaixo do mar em sua operação. Esse processo também pode afetar o funcionamento dos cabos, explica o professor.
“A usina vai puxar água do assoalho oceânico para tirar o sal. Essa sucção vai alterar o fundo do mar, mudando a topografia da região. E, mudando a topografia, os cabos vão se movimentar, o que também pode causar o rompimento de algum deles”, afirma.
Fortaleza é um ponto de convergência para países banhados pelo Oceano Atlântico quando o assunto é a conexão por cabos submarinos, explica o diretor de tecnologia da empresa de telecomunicações Sage Networks, Thiago Ayub.
“A construção da usina não vai ser só um risco temporário, vai ser um risco permanente. Tanto sua construção como sua operação podem fazer danos à infraestrutura de cabos submarinos do lado dela”, afirma Ayub.
“A consequência vai ser ou parada total para algumas empresas ou, para aquelas que não tiverem uma parada total, vão ter a performance da internet severamente degradada. Até outros países podem ser afetados por essa ruptura”.
A importância de Fortaleza para a internet brasileira
A capital cearense se tornou chave para a conexão de cabos submarinos de internet devido a sua proximidade relativa com a Europa, a África e o restante das Américas. No Brasil, eles também se ligam a Salvador, ao Rio de Janeiro e a Santos.
A cidade também ganhou espaço pelas condições de seu relevo oceânico.
“No assoalho oceânico, tem rochas, correntes submarinas, regiões mais profundas e outras mais planas. O assoalho de Fortaleza é favorável. De certa forma, está unindo o útil e o agradável: boa localização e bom assoalho”, afirma Melo, professor da UFC.
Outro fator que contribui para a importância de Fortaleza na área é a presença de grandes empresas de telecomunicações. “O mercado local de internet no Ceará é muito pujante. No top 10 de maiores provedores de internet do Brasil, tem empresas cearenses ao lado de multinacionais”, diz Ayub.
Fonte: G1