Em 24 anos de vida, Raimundo Matheus Camelo nunca tinha visto o pai chorar. Até que na último dia 17 de julho, no seu ensaio de formatura, ele resolveu fazer uma homenagem em agradecimento ao esforço de Francisco André Camelo, 53 anos, para formá-lo na faculdade de Odontologia.
O pai, natural de Santa Quitéria, sempre foi vendedor ambulante. Antes, sustentava a família, com a sua esposa Lucivânia, vendendo lanches em um carrinho — e por isso tem até hoje o apelido de Francisco da Merenda (nome que também usa em suas redes sociais para contar suas andanças). Porém, desde a pandemia, resolveu vender adesivos por cidades do Nordeste para ver seus cinco filhos formados.
Ao todo, já foram 218 municípios visitados em sete estados da região, faltando somente Sergipe e Alagoas, para completar o seu mapa de “busca de sonhos”.
“Nunca vi meu pai chorando. Foi uma emoção tão genuína que, na hora, não consegui segurar o choro de emoção e felicidade. Até agora a ficha não caiu que ele chorou. Fiquei pensando antes do dia que foi tudo tão simples e ficou lindo. Ganhei o coração dele ainda mais. Não esperava, de verdade” diz o filho de Francisco da Merenda.
Como ocorreu e como foi pensada a homenagem
Ele é o quarto filho de Francisco e Lucivânia a se formar, mas o primeiro que deixa o pai “sem palavras”.
“Os meninos sempre surpreendem (quando estão encerrando os cursos), mas não esperava que o Matheus fizesse o que ele fez. Bordar o carrinho do lanche e o colete dos adesivos no jaleco dele. Não esperava nunca aquilo dali. Foi o que me tocou para valer mesmo, que me fez chorar”, desabafou Francisco.
No vídeo, postado nas redes sociais dos dois, é possível ver o momento em que Matheus mostra o bordado, que além do desenho, tem a citação bíblica do livro de Êxodo 20:12 (Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá).
Matheus lembra que desde o mês de maio, com a chegada da entrega do trabalho de conclusão de curso (TCC), a ideia de fazer uma homenagem lhe martelava a cabeça. Por não ter mais o carrinho de lanches e nem fotos, ele contou com a ajuda da inteligência artificial para fazer a imagem que mais se assemelhasse com o ofício do pai. Depois de pronta, ela seria utilizada no corpo do trabalho e na apresentação, no espaço dos agradecimentos.
No dia da apresentação do TCC, o pai viajava pela Paraíba e acabou não vendo a homenagem. Então, surgiu a ideia da imagem ser colocada também no braço do jaleco.
Ainda no momento das tradicionais fotos da formatura, pai e filho trocaram os chapéus. Matheus tirou o capelo, colocou no pai e vestiu o chapéu de palha usado diariamente para a venda dos adesivos.
“A hora de trocar o chapéu não vou nem dizer qual foi a sensação. Precisava procurar palavras, não tenho nem palavras para dizer a emoção que senti”, relembra Francisco, novamente emocionado e já preparando o coração para o dia da colação de grua que será em agosto, no Centro Universitário Uninta, em Sobral.
Depois das fotos, é hora de voltar para a estrada
Enquanto esse dia não chega, Francisco da Merenda já se prepara para pegar novamente a estrada. Sua filha caçula, Antonia Vitória, 20 anos, está cursando Medicina Veterinária e precisa da ajuda do pai para ganhar o diploma.
Nesta segunda-feira (21), ele embarcou em um ônibus para a cidade de Pereiro, no Ceará. Sobre o tempo de viagem, ainda é indefinido, depende do sucesso das vendas dos seus adesivos que custam “1 por R$ 2 e 3 por R$ 5”.
Nos dias bons ele chega a vender mais de 250 adesivos. Já as andanças, antes de ter que reabastecer o catálogo, podem durar até três meses. “Aí tem a saudade que a gente sente nessas viagens, visitando o Nordeste e passando meses fora de casa”.
Sobre essa parte do ofício, o vendedor ambulante ainda lembra “uma feridinha no coração”. “Durante essas viagens minha neta ligou e disse que no aniversário dela de dez anos só faltava o avô. Isso foi muito doloroso”, revela.
Com o ofício, Francisco formou seu filho Carlos, 32 anos, jornalista. Giordano, 30 anos, é técnico em Segurança do Trabalho e Francisco Júnior, 27 anos, assim como Matheus, formou-se dentista. Todos estudaram em escola pública, mas na hora do ensino profissionalizante ou superior, precisaram ir para o sistema privado para realizarem seus sonhos.
Matheus afirma que a saudade do pai sempre foi grande, mas que os filhos entendem o propósito. Por conta disse, ele revela que outra homenagem está sendo preparada, desta vez pelos cinco.
“Meu pai sempre se esforçou para que nada faltasse para mim e meus irmãos. Sempre ajudou a todos com um sorriso no rosto e isso me inspira profundamente. Me espelho muito nele, na perseverança e na garra que carrega. Todos os dias em que acordava para ir à faculdade, pensava na luta dele, no esforço diário durante a merenda e os adesivos. Ele sempre foi, e continua sendo, uma fonte de força para mim. É por isso que, quando olho para frente, mesmo diante dos desafios, sigo firme, lembrando do exemplo que tenho em casa”, reforça Matheus.
Fonte: Diário do Nordeste